8.10.14

Águas do Campo Grande e Arca do Poço das Patas



" As obras de construção de um prédio, na esquina da Avenida de Rodrigues de Freitas com a Rua das Fontainhas, começadas já há alguns meses, puseram a descoberto uma parte de um aqueduto do século XVIII que os passantes ocasionais tiveram a oportunidade de observar durante vários dias. 

Um habitual leitor destes trabalhos, que teve a oportunidade de ver a obra, escreveu a perguntar se havia a possibilidade de se saber de onde vinha e para onde ia a água que era suposto ter corrido ao longo do referido aqueduto. 

A água era proveniente do manancial do Campo Grande, denominação que em 1839 se dava ao actual Campo de 24 de Agosto. Lê-se num relatório da Câmara do Porto, referente aquele ano, que avia por ali "muita e boa água nativa que fornece a Fonte de Mijavelhas, a um lado do Campo Grande…" Mas não era a única nascente que havia naquela zona.

Ao sítio onde a Rua de Santos Pousada confina com o Campo de 24 de Agosto, chamava-se, antigamente, Póvoa de Baixo. Aqui havia uma mina numa propriedade de um tal José de Melo Peixoto, cuja água seguia, através de encanamento "para a Arco do Campo Grande". 

Na "Estrada do Senhor do Bonfim", actual Rua do Bonfim, havia uma nascente de onde brotava abundante água que se reunia "na arca da Ponte do Poço das Patas". Esta ponte existia sobre um ribeiro um pouco a poente da sede da Junta. Há muito que foi soterrada, bem como uma capela que também por ali existia. 

A água desta nascente seguia encanada "pela Rua da Murta", actual Rua do Morgado de Mateus, até ao Jardim de S. Lázaro, onde "no sítio defronte da igreja velha dos religiosos Antoninos (onde está a Biblioteca) saia um anel de água para o Recolhimento das Órfãs.

Quem costuma frequentar a estação do Metro do Campo de 24 de Agosto já deve ter reparado numa antiga mas curiosa e muito interessante estrutura de pedra ali conservada como uma espécie de relíquia. É quanto resta da "Fonte de Mijavelhas (antigo nome de local) a que estava associada uma arca ou reservatório onde se "armazenava" a água que dali seguia, através de vários encanamentos, para diversos pontos de uma vasta zona da cidade que se estendia até à beira rio e daqui até à Batalha.

Consta também do referido relatório camarário que as "vertentes" e as águas "perdidas" da arca atrás citada, depois de serem utilizadas nos lavadouros públicos que havia no local, eram utilizadas, "no cumprimento de antigos prazos", para a rega dos campos do Cirne, da família Cirne de Madureira que tinha o seu palácio onde hoje está a sede da Junta de Freguesia do Bonfim. Os campos ficavam nas traseiras da residência a alongavam-se até à antiga Quinta do Prado, hoje cemitério do Prado do Repouso. Mas as águas não ficavam pelos campos do Cirne. Continuavam a correr e iam fazer rodar as mós das azenhas das Fontainhas.

E é tempo de voltar ao aqueduto que as obras acabaram por descobrir na esquina da Rua das Fontainhas com a Avenida de Rodrigues de Freitas. 

Julgamos tratar-se do aqueduto que desde o Campo Grande seguia encanado por baixo do Jardim de S. Lázaro onde alimentava o respectivo chafariz. A parte que chegou a estar exposta à curiosidade pública, começava debaixo do pavimento da rua, em frente do cunhal do já mencionado Recolhimento das Órfãs, "um pouco adiante do portão e escada do mesmo jardim, indica o relatório, do lado poente" e continuava pela Rua de S. Lázaro, até defronte da casa do abastado negociante Custódio Teixeira Pinto Basto que tinha direito "a duas penas de água". Este negociante vivia na Rua de S. Lázaro, 447. Resta acrescentar que se dava por aquela altura o nome de Rua de S. Lázaro à parte da Avenida de Rodrigues de Freitas que vai do Jardim até à Rua de Entreparedes. 

Há uma escritura de 12 de Abril de 1724 que nos dá conta de que a Santa Casa da Misericórdia do Porto, naquela data, comprou a Manuel Correia Espadeiro e Mulher, moradores ao Poço das Patas, "huma Poça d'Àgua no monte de Mija Velhas, junto aonde antigamente estivera a forca", para ser conduzida por aqueduto para o Recolhimento das Órfãs. 

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Foi a 1 de Agosto de 1860 que a Câmara Municipal do Porto deliberou dar ao antigo Campo da Feira do Gado, a denominação de Campo de 24 de Agosto, para comemorar a Revolução Liberal de 1820. Antes o sítio teve outros nomes Campo Grande, Campo do Poço das Patas e, em épocas medievais, a pitoresca denominação de Campo de Mijavelhas. Foi sempre um lugar alagadiço, de muita água o que, em certa medida, dificultou, por vezes, a sua urbanização. Como aconteceu, por exemplo, em 1865 quando se projectou a construção de uma escola industrial na parte nascente do largo. O rei D. Luís chegou a assistir ao lançamento da primeira pedra mas a obra não foi por diante porque o terreno pantanoso criou dificuldades ao projecto. Em 1909 o amplo logradouro foi ajardinado. As obras para a construção da estação do Metro acabaram com o pequeno jardim e a situação actual é de completa e confrangedora degradação."


Texto da autoria de Germano Silva publicado aqui.

Nota: Aviso aos leitores

1. O link que figura já não está activo.

2. Tenho a impressão que nunca cheguei a publicar este texto, mas se já o conhecem, pior para mim, estou a envelhecer e a esquecer-me dos papeis no fundo dos bolsos.



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