14.11.13

Estrada da Circunvalação


O outro dia um amigo enviou-me por correio electrónico o seguinte texto.

A verdade é que se eu gosto de fotografar as ruas da minha cidade é que nunca considerei esta estrada como uma rua. Para mim foi sempre uma barreira. Em tempos em que eu ainda não tinha nascido, foi barreira mlitar e posteriormente barreira fiscal. Para mim era fim de zona das linhas de eléctrico ou começo das localidades que estavam separadas da cidade por campos cultivados.

De certeza que foi publicada na internet, mas a referência (mais uma vez não estava explícita).

Em relação ao autor, uma vez não é costume, haverá uma nota de rodapé com alguns dados pessoais.




«17.14 História e Origem da  estrada da Circunvalação

O Porto está cercado, em grande parte (excepto na parte oriental) por uma estrada dupla, a Estrada da Circunvalação (N12). Esta estrada tem uma origem e traçado militar: a placa central era originalmente um fosso, com 2 a 3 metros de profundidade, e com postos de sentinela a cada 150 metros.
Construída entre 1889 e 1896, servia como barreira alfandegária, para taxação dos bens de consumo que entravam no Porto. Existiam ao longo dela, nas estradas de acesso à cidade, 13 edifícios onde os funcionários da Coroa, do Bispado e do Município estavam instalados e cobravam as taxas. Apenas 7 existem hoje, pois todas foram vendidas ou demolidas após a extinção, em 1922, do "Real de Água", imposto real que se destinava a financiar as obras de abastecimento de água às cidades. O Real de Água é um Imposto de consumo sobre a carne, bebidas alcoólicas e fermentadas, arroz descascado, vinagre e azeite de oliveira expostos à venda. Este imposto primitivamente foi lançado exclusivamente sobre o vinho, e depois sobre a carne, vinho, etc., e, sendo este tributo de um real por cada canada, arrátel ou outra unidade, com destino ao arranjo de canos, fontes, aquedutos, para abastecimento de água das povoações, se ficou chamando real de água. Em Lisboa era também aplicado à limpeza e concerto das calçadas, com um adicional, que se denominava realete da limpeza ou simplesmente realete. 
Em 1943 findou então um sistema tributário com cerca de 800 anos, progressivamente substituído por um tipo de imposto que se vai vulgarizando universalmente: o IVA. Aqueles edifícios são as testemunhas silenciosas desse período.
Este tipo de portagens, ou cobrança de imposto, faziam-se por Portugal inteiro, a que chamavam o Real de Água: esta designação foi aplicada pela primeira vez a um tributo pago pelos moradores da cidade de Elvas, para a construção da grande arcaria por onde levaram a água à cidade. Mais tarde, idêntica denominação generalizou-se ao imposto sobre a carne, peixe e o vinho, a que em ocasiões de crise se recorreu em diversas terras do País. 
In: Dicionário de História de Portugal

A  Estrada da Circunvalação, surge assim por  projecto submetido ao parecer da Câmara em Maio de 1889 e iniciada a sua  construção vai estender-se por uma extensão de quase 17 Km, desde Campanhã até à costa Oceânica (...) e foi aberta com o fim único de servir de barreira à cidade para o efeito de fiscalização do real de água (do Estado) e cobrança dos chamados impostos indirectos municipais, que foram, afinal, os descendente directos dos antiquíssimos tributos, que sob a denominação inicial de portagem e posteriormente de sisas e imposições, se cobraram no Porto durante séculos e desde tempos anteriores à fundação da nacionalidade. (...)
Ficou portanto, a cobrança do imposto municipal, em 1897, a fazer-se as seguintes barreiras de fiscalização do Estado: Esteiro, Freixo, Campanhã, São Roque, Rebordões, Areosa, Azenha, Amial, Monte dos Burgos, Senhora da Hora, Pereiro, Vilarinha e Castelo do Queijo. No que respeita à linha marginal, havia ainda os seguintes postos: Cantareira, Ouro, Massarelos, Banhos, Ribeira, Ponte inferior, ponte superior, Guindais e Pinheiro.


Em 21 de Setembro de 1922, foi extinto o velho imposto do real de água; e, assim o estado desguarnecendo as barreiras estabelecidas em 1836, tomou a Câmara, automaticamente, a posse delas, para o que substituiu e guarneceu com pessoal da casa dos postos que acabavam de ser extintos. Ficou, por consequência, o Município, a partir de 1922, a usufruir, em exclusivo, a linha de barreiras estabelecidas pelo Estado, 86 anos antes. Decorridos 21 anos, em Dezembro de 1943, surge, inesperadamente, um decreto, que suprimiu a cobrança dos impostos indirectos municipais, veio finalmente pôr termo a uma justa campanha de longos anos por parte dos organismos económicos da nossa terra e dar cabal satisfação aos desejos de todos os munícipes. Desapareceu assim, um sistema tributário com mais de oito séculos de existência; e, com ele, desapareceu também uma organização fiscal, que há cento e tantos anos cingia a cidade do Porto com uma oprimida e anacrónica cintura de barreiras.
MARÇAL, Horácio - Estrada da Circunvalação : antiga linha de fiscalização e cobrança do denominado imposto do «real de água».
In: "O Tripeiro". Porto. 6ª série, ano 11, n.º 7 (Julho de 1971), p. 193-195


A propósito da história do Real D’Água  se narra a Revolta do Manuelinho que ocorreu no domínio filipino.
A Revolta do Manuelinho, ou Revolta do Manelinho (original), também referida como as Alterações de Évora, foi um movimento de cunho popular ocorrido no Alentejo, em Portugal, no contexto da Dinastia Filipina. Questionava o aumento de impostos e as difíceis condições de vida da população provocadas pela governação Filipina.
As revoltas contra o domínio castelhano tiveram como antecedentes, entre outros, o Motim das Maçarocas, que eclodiu no Porto em 1628 contra o imposto do linho fiado, mas a Revolta do Manuelinho foi o antecedente mais importante do golpe de estado que levou à Restauração da Independência.
O movimento iniciou-se na cidade de Évora, a 21 de agosto de 1637, quando o povo se amotinou contra o aumento de impostos decretado pelo governo em Lisboa. A elevação do imposto do real de água e a sua generalização a todo o Reino de Portugal, bem como o aumento das antigas sisas, fez aumentar a indignação geral, explodindo em protestos e violências. O povo de Évora deixou de obedecer aos fidalgos e desrespeitou o Arcebispo.
Os principais responsáveis pela revolta terão sido o Procurador e o Escrivão do povo. No entanto, as ordens para o movimento apareceram assinadas pelo "Manuelinho", um pobre tolo daquela cidade alentejana. Esta era uma forma de manter o anonimato dos impulsionadores.
Durante o movimento foram queimados os livros dos assentos das contribuições reais e acometidas algumas casas. Nem os nobres, nem os adeptos de Castela, se dispuseram a enfrentar a multidão enfurecida.
O movimento rapidamente se alastrou a outras partes do reino, com a intenção de depôr a Dinastia Filipina e entronizar novamente uma Dinastia portuguesa. Desse modo eclodiram insurreições e motins em localidades como Portel, Sousel, Campo de Ourique, Vila Viçosa, Faro, Loulé, Tavira, Albufeira, Coruche, Montargil, Abrantes, Sardoal, Setúbal, Porto, Vila Real e Viana do Castelo.
O movimento insurreccional não conseguiu destituir o Governo em Lisboa, sucumbindo ao reforço de tropas castelhanas que vieram em seu auxílio para reprimir a revolução.
Ainda assim, o rastilho aqui aceso foi o início daquilo que se tornou a Revolta dos Conjurados e que culminou com a aclamação de João IV de Portugal em 1 de Dezembro de 1640. »


Nota pessoal:

O texto chegou-me às mãos horas depois de eu ter publicado aqui mais uma fotografia da praça Carlos Alberto no dia 11 de Novembro. 
Ao chegar ao fim sorri porque estava assinado pelo Horácio Marçal. 
Um dia tive a possibilidade de mergulhar numa daquela colecções de "O Tripeiro" das séries V e VI e muitos escritos tinha encontrado de um senhor que assinava Horácio Marçal. Curiosamente não tinha título de doutor mas muita coisa divulgou sobre a cidade. 
Anos mais tarde, quando o meu amigo Júlio Couto  publicou a sua obra sobre a praça Carlos Alberto, contou que Horácio Marçal tinha tido um comércio na praça Carlos Alberto, a Eranova! Oh! O mundo é pequeno e na minha infância e juventude a cidade não passava de uma grande aldeia. O senhor Horácio (como eu o conhecia) era o filho da D. Rita e irmão do senhor Raúl. A D. Rita era vizinha no prédio onde moravam os meus avós maternos. Ele há cada coincidência!






1 comentário:

António Laúndes disse...

De muito interesse os textos, História, sobre estes regimes de fiscalização e tributação na cidade do Porto. Lembro-me de meu avô paterno , homem nascido e sempre ligado à Foz e à cidade do Porto, me falar de suas recordações, e, me dizer que designavam os guardas/fiscais de "pica-chouriços". A explicação para a designação de "pica-chouriços" estava no facto de esses guardas/fiscais usarem um espeto metálico com o qual espetavam perfurando os sacos e cheirando de seguida o espeto, para assim verificarem qual o conteúdo dos sacos, para evitarem ( ou não !) o dito contrabando.