11.7.08

E se tivessem destruído a igreja de S. Francisco?


Há 170 anos (1837) , a pressa de abrir uma nova artéria para serviço da cidade (a actual Rua de Ferreira Borges) levou à destruição de uma das mais belas igrejas do Porto - a igreja que pertencera aos Terceiros da Ordem de S. Domingos, mas que, nos últimos anos da existência do convento, substituíra o templo conventual que um incêndio havia destruído em 1777.

A igreja dos Terceiros, que "era um templo amplo e aparatoso" começara a ser construída em 1727, à entrada da Rua da Ferraria de Baixo (actual Rua de O Comércio do Porto).

A fim de conseguirem obter o terreno suficiente para a obra que se propunham realizar, os Terceiros tiveram que comprar umas moradas de casas nas imediações do convento. Consta, efectivamente, da acta de uma sessão municipal que "a Câmara foi autorizada a vender umas limitadas casas e boticas (lojas) que estavam encostadas à parede do claustro ou adro do Convento a fim de poder a Ordem Terceira fazer ali os alicerces junto da rua que vai para a Ferraria de Baixo".

A igreja só ficou concluída em 1740. As descrições que dela chegaram até aos nossos dias permitem-nos imaginar que se tratava de um templo de linhas elegantes e com uma bela fachada, como aliás pode facilmente constatar-se de um desenho que nos deixou J.C. Vitória Vila Nova.

De nada, porém, valeram os atractivos artísticos nem os valores arquitectónicos do templo. "Atrabiliariamente, segundo uma crónica da época, e sem respeito algum pelos valores existentes, a igreja desapareceu irremediavelmente sob o camartelo municipal".

Abandono

O pior é que o mesmo destino e por causa da abertura da mesma rua, esteve para ter a capela mor da igreja de S. Francisco, hoje Monumento Nacional. O convento, como se sabe, ardera logo a seguir à entrada no Porto das tropas liberais lideradas pelo rei D. Pedro IV. E a igreja havia sido profanada e estava votada ao mais completo abandono.

Ao tomar conhecimento de que havia a ideia de demolir uma parte da igreja para dar continuidade à rua que para ali se projectara, a opinião pública dividiu-se entre quem entendia que "igrejas era o que não faltava no Porto e mais uma menos uma tanto dava…" e os que de imediato saíram a terreiro a defender a manutenção integral do templo, um dos nossos mais belos monumentos do gótico mendicante.

Preservação defendida

Entre os defensores da preservação contavam-se os Irmãos da Ordem Terceira de S. Francisco que logo oficiaram à rainha, a Senhora D. Maria II, solicitando-lhe que impedisse a destruição da igreja.

A monarca atendeu o pedido com a condição de que, dali por diante, fossem os Terceiros de S. Francisco a administrarem o templo, zelando pela sua conservação. E assim tem acontecido.

A igreja-monumento, essa bela peça arquitectónica do gótico e barroco, possuidora da mais bela talha dourada que se conhece, conseguiu sobreviver ao camartelo municipal porque um punhado de homens esclarecidos em boa hora resolveram sair a terreiro em defesa da sua integridade.

Vem tudo isto a propósito de a igreja e a Torre dos Clérigos; e a igreja de S. Francisco, serem os dois únicos monumentos do Porto que figuram entre mais 21 candidatos às "Sete Maravilhas de Portugal".

Aí está, sem dúvida, um forte motivo para que todos nós, os portuenses, nos sintamos de veras orgulhosos. Mas esta candidatura trouxe-me à memória aquela intenção do passado, de reduzir a escombros um dos mais belos exemplares da arquitectura gótica.

Vou mais longe embora no edifício se registem ainda muitos vestígios do românico, a igreja de S. Francisco é o único exemplar do primeiro período do estilo gótico que existe no Porto. Por tudo isso, ocorre perguntar: e se tivessem destruído a igreja?

E se tivessem destruído a igreja de S. Francisco?

Parece-me estar a ouvir o leitor a perguntar " Então como é que a igreja dos Terceiros de S. Domingos, servia de templo aos frades dominicanos ?" A explicação é simples. Conforme se diz no texto a igreja do mosteiro ardeu em 1777. Isto foi o que disseram os frades. Segundo uma notícia da época saída no "Patriota Portuense" o incêndio só molestou uma parte da igreja mas os frades terão aproveitado o incidente para apelarem ao rei, na qualidade de protector da Ordem que os autorizassem a igreja dos Terceiros que, diziam os frades, estava "abandonada". O que, segundo parece, não era verdade.

De há muito que os monges não se entendiam com os Terceiros. E aqueles, aproveitando a saída dos irmãos da Ordem Terceira em procissão, foram à igreja e fecharam-na trancando as portas por dentro e impedindo os terceiros de entrarem.

Era este o "abandono" que eles referiram ao monarca. E sem darem satisfação aos legítimos donos do templo, os frades ocuparam-no até à sua expulsão da cidade em 1832.

Germano Silva



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