10.3.08

Um vereador portuense durante o domínio francês


Por onde andou a Câmara


Quando em Março de 1809 os franceses, sob o comando de Soult, entraram no Porto, a Câmara Municipal funcionava no edifício da Casa Pia, sito na actual Rua de Augusto Rosa e que anteriormente se chamou, sucessivamente, Rua da Batalha dada a proximidade da praça com este nome; Rua do Postigo do Sol, postigo que ficava onde hoje começa a Rua de Saraiva de Carvalho; e também Rua dos Matadouros, "em frente da Casa Pia", alusão ao matadouro que funcionava nas Fontainhas.

O presidente da Câmara, em 1809, era o juiz dos órfãos, José de Chaves Meireles. Os outros vereadores eram António Mateus Freira de Andrade Coutinho Bandeira, José Pamplona Carneiro Rangel, Sebastião Leme Vieira de Melo e Gaspar Cardoso de Carvalho e Fonseca; e o procurador da cidade, João Pedro Gomes de Abreu.

Quem entra nesta história é António Mateus Freire de Andrade Coutinho Bandeira que passaremos a tratar, apenas por António Freire de Andrade.

Vivia o nosso homem no seu palácio na actual Rua de D. Hugo que, antes desta denominação, teve outras designações em 1221, chamava-se Rua do Redemoinho ou do Riodemoinho e era, por isso, a única memória de um ribeiro que, em tempos imemoriais, por ali passava e da azenha que as águas desse ribeiro movia - "Rua dos Moinhos, junto ao Arco das Verdades", vem ainda referido num documento do século XVIII. Com o nome de Redemoinho ainda existe um beco nas traseiras da capela mor da Sé. Aquela artéria teve, também, os nomes de Rua da Catedral, por motivos óbvios, e ainda os de Rua de Trás da Catedral e de Rua dos Cónegos de Trás da Sé.

A casa do António Freire de Andrade é aquela que está mesmo em frente à entrada principal da Casa Museu de Guerra Junqueiro, ainda hoje conhecida pela "Casa dos Freire de Andrade". Trata-se de uma construção dos finais do século XVII, começos do seguinte, que continua a ostentar na frontaria um bonito brasão de armas " feito em granito, esquartelado de Coutinhos, Pereiras, Andrades e Bandeiras e sobrepujado por uma coroa, com o timbre dos Coutinhos…"

Nessa sua casa, António Freire de Andrade vivia "rodeado das comodidades e bem-estar compatíveis com a época", ou seja servido por um capelão privativo, por três criadas, dois criados e um hortelão, além de uma criada preta e um criado também de cor.

E agora a história Quando se soube no Porto que as tropas francesas já haviam passado por S. Mamede de Infesta, o alvoroço na cidade foi total e muita gente começou a sair da cidade. Mas António Freire de Andrade tomara a resolução de ficar. Mandou a família para uma quinta que possuía em Oliveira do Douro, do outro lado do rio, e ficou. Ficou, até à chegada dos franceses. Ao ver as pilhagens, os atropelos e as atrocidades que se cometiam, julgou que era chegado o fim, que tudo estava perdido e resolveu sair também. É ele próprio que o conta numas notas que escreveu: "… chegado acima do muro (da Ribeira) e olhando sobre a ponte achei tanto povo que se caísse uma aresta não cairia no chão… Já havia muita gente afogada. Desci ao Postigo do Pereira (frente a S. Francisco) onde estavam três barcos. … Prometi que lhes daria aquilo que eles quisessem. Mas eles recusaram. Deviam estar à espera de famílias. Já as balas choviam sobre o rio. Visto aquilo, enfiei pela Reboleira, atravessei milagrosamente a Ribeira, subi por aqueles becos acima (becos do Barredo) e meti-me em casa mais morto que vivo".

O perigo, no entanto, não tinha passado. Não tardou muito e os soldados franceses estavam a invadir-lhe a casa. Conta António Freire de Andrade "… sofri as maiores insolências dos primeiros que me entraram em casa, querendo-me matar; abri-lhes tudo e, logo que viraram costas, fugi para o quintal e metido entre vides ali dois dias sem comer…"

O vereador pensou, efectivamente, em fugir. Mas acabou por dar ouvidos à voz da razão e ficou. Ele próprio diz porquê "… quis fugir, é verdade; mas convenci-me de que a minha fuga seria para a cidade um grande prejuízo, porque meteriam (no governo da Câmara) franceses ou seus apaniguados e que indo eu e José Pamplona (os dois únicos vereadores que ficaram na cidade) teriam mais alguma consideração…" E por isso ficou.


A Câmara do Porto na Casa Pia? Mas, pergunta o leitor com toda a legitimidade, e a Casa do Senado, ao pé da Sé, não era lá que a Câmara funcionava desde o século XV ? Assim era, efectivamente, mas, em 1784, o edifício estava a ameaçar ruína e os serviços municipais foram transferidos para uma ala do antigo edifício do Colégio dos Jesuítas que, entretanto, havia sido ocupado pelos padres Agostinhos Descalços, depois da expulsou dos padres da Companhia de Jesus. Mas a Câmara não ficou muito tempo no Colégio de S. Lourenço tendo-se mudado, anos depois, para a Casa Pia. Foi durante a permanência dos serviços municipais nas instalações da Casa Pia que se começou a pensar a sério na aquisição de um prédio para instalação da Câmara. Foi, por essa altura, que a cidade pediu ao rei autorização para comprar um dos maiores prédios da Praça Nova das Hortas (actual Praça da Liberdade) para aí instalar todos os serviços da Câmara. E aí ficou durante um século - de 1816 a 1916.

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Noticias




Sem comentários: