27.1.08

Uma história de frades e outra da feira das caixas

O mosteiro dos frades carmelitas


Texto de Germano Silva

Chegou carta de um leitor com uma dúvida pertinente. Diz ele "… sempre, ouvi dizer que a Praça de Carlos Alberto se chamou, antes, Praça dos Ferradores; leio agora que também foi Largo ou Praça da Feira das Caixas; mas eu julgava que as tais caixas que se destinavam aos emigrantes que iam para o Brasil eram feitas e vendidas sob os arcos de Miragaia…? "

É verdade que a actual Praça de Carlos Alberto também se chamou Largo da Feira das Caixas, exactamente por ali estarem estabelecidos os carpinteiros que faziam, em madeira, e vendiam, uma espécie de baús grandes muito procurados pelos nossos compatriotas que emigravam para o Brasil.

Antes de se chamar Largo da Feira das Caixas o largo fronteiriço ao edifício do Hospital da Ordem do Carmo teve a designação de Rua dos Ferradores quando aquele espaço ainda não tinha a configuração de uma praça.

A designação de Ferradores vinha, pelo menos, do século XVII, porque a referência mais antiga que se conhece ao topónimo é de 1638.

E esta denominação deve ter permanecido por muito tempo. Ainda vigorava no século XVIII. Com efeito, em 1720, a Câmara do Porto, em resposta a um pedido que lhe foi dirigido para que fosse concedido alvará para a realização de uma "feira de fazendas e animais" no Campo de S. Lázaro ou, dizia-se na petição, "aonde à Câmara melhor convenha…", usando da liberdade que lhes fora concedida para a escolha do local, indicou "as praças do Carmo, dos Ferradores e dos Voluntários da Rainha (actual Praça de Gomes Teixeira) para a realização da dita feira, nos dias 25, 26 e 27 de Julho de cada ano…"

E a Feira de Gado, como ficou conhecida, realizou-se por largo tempo nos Ferradores porque só em 1833, por edital camarário, é que foi mudada para o Poço das Patas (actual Campo de 24 de Agosto).

Outra feira que se fazia, no Largo da Feira das Caixas, era a célebre Feira dos Moços ou de Criados e Criadas para os serviços da lavoura. Realizava-se duas vezes por ano. Em Abril para os trabalhos do Verão; e em Novembro para as tarefas de Inverno. Os ajustes eram feitos de comum acordo entre o lavrador que contratava e o rapaz ou a rapariga que aceitava o trabalho. Já nos finais do século XIX ainda se fizeram acordos de 150$000 reis por mês, para rapaz, com direito a cama, mesa e roupa lavada. Uma moça de 15 anos podia ser contratada por 45$000 reis mensais mais as outras regalias.

Bom mas o leitor o que pretende é obter uma resposta à pergunta que formulou.

É possível que debaixo dos Arcos de Miragaia também se vendesse uma ou outra caixa de madeira. Mas o que os emigrantes ali procuravam era, sobretudo, uns enxergões ou pequenos colchões que se enchiam com palha ou folhelho e que, nos navios em que embarcavam, lhes ia servir de cama. Estamos a falar de gente que comprava passagens nas classes mais baratas e onde, naquele tempo, as condições de alojamento não deviam, ser as melhores.

As pequenas e acanhadas oficinas onde os carpinteiros faziam as tais caixas ficavam, na sua maioria, em frente à parede lateral da igreja do Carmo, agora coberta com um belo painel de azulejo. Consta de velhas crónicas de jornais que a azáfama era tanta que o barulho do constante martelar das tábuas com que eram confeccionadas as caixas incomodava os vizinhos que não deixavam de protestar.

Por esse tempo (finais do século XIX) um repórter da época escreveu que "era vulgar encontrar-se nas imediações do cais da Estiva, onde encostavam os navios que iam para o Brasil, bandos de rapazes de chinellas novas e carapuça na cabeça, a deambular pelas ruas ribeirinhas com a chave da caixa suspensa do pescoço por meio de uma fita para que não se perdesse…"

O leitor em causa colocou outra questão mas esta bem mais tétrica do que a anterior. Pede informação sobre a veracidade, ou não, de um costume que, segundo ele, se passava com os frades Carmelitas, os quais, segundo antiga tradição, costumavam desenterrar os mortos que eram sepultados na sua igreja para dar lugar a outros cadáveres mais recentes. Sabe-se muito sobre se essa prática existiu ou não. Consta, no entanto, que, por via de uma antiga devoção, ligada ao culto que se fazia na igreja dos Carmelitas, uma grande parte dos cidadãos do Porto manifestava como última vontade ser sepultada no interior daquele templo que, como ainda hoje se pode constatar, não era muito grande. Por isso os enterramentos deviam ser limitados. Mas, como aos Carmelitas repugnava negar o repouso eterna na sua igreja a quem o solicitava, era voz corrente que logo a seguir aos enterramentos os frades fechavam a igreja, desenterravam os cadáveres aí sepultados nesse dia e enterravam-nos na cerca do convento para terem sempre lugares vagos no interior do templo.

Verdade ou lenda ? Tire o leitor e conclusão que melhor lhe aprouver.

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