30.8.06

Rua do ALMADA


"Parecia aos sábados uma feira de gado, tantos eram os burros dos ferreiros sertanejos, que chegavam ajoujados de ceiras de pregos, e partiam carregados de verguinhas de ferro, em feixes, ao longo da albarda, levados pela Rua do Almada acima num trotesinho miúdo e diligente, que batia os grandes lajedos da calçada com um ruído festival de castanholas."

Sousa Viterbo



O troço que vai das esquinas da Praça da Liberdade e da Rua dos Clérigos até à Rua da Fábrica chamava-se Rua das Hortas e já existia quando João de Almada e Melo (o filho Almada) mandou abrir a artéria que viria a ter o seu nome.
A Rua do Almada propriamente dita que começava a partir da Rua da Fábrica, começou a ser aberta em 1761 e o seu traçado é da autoria de Francisco Xavier do Rego.
Foi a primeira grande rua a ser edificada fora de muralhas.



S. José de Soares dos Reis

Quase na esquina da Praça da República encontra-se a Capela dos Pestanas (1878-1888) projecto do Engenheiro José Macedo de Araújo Júnior. As estátuas em granito de S. José e de S. Joaquim que se encontram na sua fachada são da autoria de Soares dos Reis. O antigo palacete dos Pestanas é ocupado actualmente pelo Governo Civil.


Curiosidade:
A ligação de João de Almada ao Porto surge na sequência de um acontecimento a que inicialmente esteve alheio e que veio ensombrar a vida da cidade, durante o reinado de D. José I.


A 23 de Fevereiro de 1757 eclodiu um motim popular contra a Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro, criada alguns meses antes.
Para controlar os acontecimentos, será indigitado João de Almada e Melo, homem de total confiança de Marquês de Pombal, reforçada aliás por laços de parentesco.
Devido à gravidade da situação, é logo nomeado para o regimento do “Partido” da cidade, onde por decreto de 27 de Fevereiro, passa a ocupar o importante lugar de Governador de Armas do Porto.
João de Almada e Melo conheceria relativamente bem o Porto, pois já aqui havia feito diversas estadias. Além disso, era um homem de raízes nortenhas, pois nascera em Troviscoso, freguesia do concelho de Monção, a 15 de Agosto de 1703.
Oriundo de uma família com grandes tradições na carreira de armas, João de Almada viria a assentar praça aos 15 anos, na vedoria de Viana. Em 1735 ascende ao posto de Capitão e é destacado para a guarnição da cidade de Portalegre. Ainda passará pelas praças de Monção e Elvas, até que em 1745, é promovido para o regimento de Cascais, com a patente de Coronel.
Sabe-se que em 1746 tinha casa no Porto, na rua “ao pé dos Açougues”, onde viria a morar sua mãe. João de Almada contrai matrimónio alguns anos mais tarde, quando já contava 49 anos. O casamento ocorreu a 24 de Junho de 1752, na Quinta do Paço (Valadares – Vila Nova de Gaia), local de residência da futura esposa, D. Ana Joaquina de Lencastre. Deste casamento nasceriam dois filhos, António José de Almada e Melo e Francisco de Almada e Mendonça.
Entretanto, como se disse, João de Almada havia sido destacado para a fortaleza de Cascais. E quando se dá o terramoto, em 1755, caber-lhe-à a honra de fazer guarda ao Rei D. José, por se haver desarticulado a guarnição militar da Corte. O diploma que o nomeia Governador das Armas do Porto justifica a escolha, precisamente, “em atenção aos seus merecimentos e qualidades”. João de Almada e Melo chegará ao Porto a 15 de Março de 1757, aqui permanecendo até ao fim da vida, num esforço de quase três décadas para o engrandecimento da Cidade.
Estabelecido no antigo Palácio do Corpo da Guarda, João de Almada exerceu o novo cargo com energia – sendo, por vezes, acusado de duro e intransigente – mas também com larga visão de governança. Soube igualmente rodear-se de bons conselheiros, como o cônsul britânico, John Whitehead. O seu poder veio aumentar consideravelmente ao ser provido, em 1764, do importante cargo civil de Governador da Justiça e Relação do Porto. Todavia, a sua vocação para o serviço da causa pública ficará já bem patente quando ainda era apenas Governador de Armas, ao promover o estudo para o Bairro dos Laranjais, “para milhor comodidade, e furmuzura desta cidade”. Estava-se no ano de 1761, altura em que é elaborado o projecto de modernização da zona extramuros, a norte da Cidade. Desta iniciativa há-de surgir a actual Praça da República e o célebre eixo de ligação à velha estrada de Braga, que hoje perpetua a sua memória através
do singelo, mas denso, atributo de Rua do Almada.
Pela mesma ocasião, expõe ao Rei as dificuldades que sentia para concretizar as reformas urbanísticas projectadas. Esta sua diligência levou à criação da Junta das Obras Públicas (1762) e ao estabelecimento de receita própria – a imposição de um real por cada quartilho de vinho – de modo a garantir os meios necessários para o andamento dos trabalhos.
A acção da Junta das Obras Públicas foi de transcendente importância, dado que, pela primeira vez, se elabora um plano estratégico para a Cidade, com as suas praças, os seus eixos de escoamento de tráfego e respectivas ligações transversais, o melhor ordenamento da margem do rio, a reforma das calçadas e aquedutos, a construção de fontes e de um mercado, a implantação de grandes edifícios públicos e, enfim, a criação de um novo modelo arquitectónico e de normas para o licenciamento das construções particulares. Ficou célebre a sessão da Junta de 30 de Agosto de 1784, em cuja acta são descritos os principais empreendimentos em curso. Ela constituiu uma síntese das grandes linhas de orientação seguidas pelo Governador João de Almada e, de alguma maneira, será o seu testamento político para a Cidade que ajudara a recriar.
João de Almada e Melo morreu dois anos depois, a 30 de Outubro de 1786, sendo levado a sepultar na Capela da Senhora da Rosa, na Matriz de Monção.

Manuel Luís Real



montra

O Edifício da esquina da rua do Almada com a rua Ramalho Ortigão, onde se encontra a Livraria Nelita, foi projectado em 1942 pelos arquitectos C. Jofre António Justino e Rogério de Azevedo.

1 comentário:

merdinhas disse...

Por aí andei. A olhar, com tempo.